Eu sou por Natureza feito para meu próprio bem; não para meu próprio mal.

Dos Ensinamentos Áureos de Epicteto.


sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O GONDOLEIRO DO AMOR — Castro Alves

FORMAS POÉTICAS 04 — BARCAROLA
A barcarola é um tipo antigo de poema e os trovadores medievais já usavam essa forma. Bilac e Passos, no Tratado de Versificação, dizem apenas que a barcarola é um tipo de canção nacional da Itália.
Na verdade, é a canção típica dos gondoleiros de Veneza. É uma composição, sempre relacionada a barcos e à água, em que se demonstram emoções ternas. Pertence ao gênero lírico.
Castro Alves escreveu, em redondilha maior, a seguinte barcarola:

O Gondoleiro do Amor

Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar...
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;

Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
Do Gondoleiro do amor.

Tua voz é cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento.

E como em noites de Itália
Ama um canto o pescador,
Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.

Teu sorriso é uma aurora
Que o horizonte enrubesceu ,
—Rosa aberta com o biquinho
Das aves rubras do céu;

Nas tempestades da vida
Das rajadas no furor,
Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.

Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;

Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no languor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!?

Teu amor na treva é — um astro,
No silêncio uma canção,
É brisa — nas calmarias,
É abrigo — no tufão;

Por isso eu te amo, querida,
Quer no prazer, quer na dor... Rosa!
Canto! Sombra! Estrela!
Do Gondoleiro do amor.

O Poeta da Morte, Augusto dos Anjos, compôs a sua, também em redondilha maior:

Barcarola

Cantam nautas, choram flautas
Pelo mar e pelo mar
Uma sereia a cantar
Vela o Destino dos nautas.

Espelham-se os esplendores
Do céu, em reflexos, nas
Águas, fingindo cristais
Das mais deslumbrantes cores.

Em fulvos filões doirados
Cai a luz dos astros por
Sobre o marítimo horror
Como globos estrelados.

Lá onde as rochas se assentam
Fulguram como outros sóis
Os flamívomos faróis
Que os navegantes orientam.

Vai uma onda, vem outra onda
E nesse eterno vaivém
Coitadas! não acham quem,
Quem as esconda, as esconda...

Alegoria tristonha
Do que pelo Mundo vai!
Se um sonha e se ergue, outro cai;
Se um cai, outro se ergue e sonha.

Mas desgraçado do pobre
Que em meio da Vida cai!
Esse não volta, esse vai
Para o túmulo que o cobre.

Vagueia um poeta num barco.
O Céu, de cima, a luzir
Como um diamante de Ofir
Imita a curva de um arco.

A Lua — globo de louça —
Surgiu, em lúcido véu.
Cantam! Os astros do Céu
Ouçam e a Lua Cheia ouça!

Ouça do alto a Lua Cheia
Que a sereia vai falar...
Haja silêncio no mar
Para se ouvir a sereia.

Que é que ela diz?! Será uma
História de amor feliz?
Não! O que a sereia diz
Não é história nenhuma.

É como um requiem profundo
De tristíssimos bemóis...
Sua voz é igual à voz
Das dores todas do mundo.

“Fecha-te nesse medonho
“Reduto de Maldição,
“Viajeiro da Extrema-Unção,
“Sonhador do último sonho!

“Numa redoma ilusória
“Cercou-te a glória falaz,
“Mas nunca mais, nunca mais
“Há de cercar-te essa glória!

“Nunca mais! Sê, porém, forte.
“O poeta é como Jesus!
“Abraça-te à tua Cruz
“E morre, poeta da Morte!”

— E disse e porque isto disse
O luar no Céu se apagou...
Súbito o barco tombou
Sem que o poeta o pressentisse!

Vista de luto o Universo
E Deus se enlute no Céu!
Mais um poeta que morreu,
Mais um coveiro do Verso!

Cantam nautas, choram flautas
Pelo mar e pelo mar
Uma sereia a cantar
Vela o Destino dos nautas!

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