Eu sou por Natureza feito para meu próprio bem; não para meu próprio mal.

Dos Ensinamentos Áureos de Epicteto.


terça-feira, 30 de setembro de 2014

HOW TO GET RID OF COCKROACHES — A homemade ecologic formula

150 grams of boric acid 
2 tablespoons of grated cheese 
2 tablespoons of sugar 
2 tablespoons of wheat flour 
1 grated medium onion 
Enough milk to form paste [consistence of plaster] 
 
Make balls and spread in places where the cockroaches appear, including pieces of furniture.

RECEITA CASEIRA PARA ACABAR COM BARATAS

150 gramas de ácido bórico
2 colheres-sopa de queijo ralado
2 colheres-sopa de açúcar
2 colheres-sopa de farinha de trigo
1 cebola média ralada
Leite suficiente para formar pasta [consistência de reboco]

Passar nos lugares em que as baratas ficam.
Faça bolinhas e espalhe nos lugares em que as baratas aparecem, inclusive dentro de móveis.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A ESSÊNCIA DE UMA PESSOA BOA

Houve certa vez um homem que era muito inteligente, mas tinha a característica de sempre ver os pontos negativos de seus trabalhos. Desse modo, a pessoa será inútil. Se a pessoa não bota na cabeça desde o começo que o mundo está cheio de situações impróprias, a maior parte de seu comportamento será pobre e ela não será acreditada pelos outros. E se a pessoa não é acreditada pelos outros, não importa quão boa pessoa ela possa ser, ela não terá a essência de uma pessoa boa. Isto também pode ser considerado como um defeito.
 
Hagakure: Livro do Samurai, Capítulo 1

domingo, 28 de setembro de 2014

O MESTRE DE ESGRIMA

Yagyu Tajima-no-kami era grande espadachim e professor nessa arte do Xogum Tokugawa Iyemitsu. Um dos guardas pessoais do Xogum um dia veio até Tajima-no-kami, desejando ser treinado em esgrima. O mestre disse: "Pelo que observo, você parece ser mestre de esgrima. Por favor me diga a que escola você pertence, antes de nós entrarmos na relação de professor e aluno."
O soldado disse, "Estou envergonhado de confessar que eu nunca aprendi a arte."
"Você está tentando me enganar? Eu sou o professor do próprio venerável Xogum, e sei que meu olho nunca falha numa avaliação." 
"Eu estou arrependido por desafiar sua honra, mas eu realmente não sei nada."
Esta negação resoluta por parte do visitante fez o mestre espadachim pensar durante algum tempo, e ele disse finalmente, "Se você diz isso, deve ser assim; mas ainda estou seguro de que você é mestre em algo, embora eu não saiba em quê."
"Se o senhor insiste, eu lhe direi. Há uma coisa da qual posso dizer que sou o mestre completo. Quando eu ainda era um menino, o pensamento me ocorreu de que, como Samurai, em nenhuma circunstância devo ter medo da morte, e lutei com o problema da morte durante alguns anos, e finalmente o problema da morte deixou de me preocupar. Pode ser a isto que o senhor se refere?" 
"Exatamente! " exclamou Tajima-no-kami. "Isso é o que eu quero dizer. Alegro-me por não ter me enganado em meu julgamento. Pois os segredos mais profundos da mestria em esgrima também consistem em se tornar livre do pensamento da morte. Eu treinei centenas de alunos ao longo desta linha, mas até agora nenhum deles realmente merece o certificado final de mestria em esgrima. Você não precisa de nenhum treinamento técnico, você já é um mestre."

sábado, 27 de setembro de 2014

A MORTE DA ESPOSA DE CHUANGTSE

Quando morreu a esposa de Chuangtse, Hueitse foi expressar-lhe condolências, mas encontrou Chuangtse sentado no solo e cantando uma canção, cujo ritmo marcava com batidas num vaso de barro. Hueitse censurou-o:
"O quê! Essa mulher viveu contigo e te deu filhos. Poderias, talvez, abster-te de chorar, ao morrer seu velho corpo. Mas não achas que é demasiado, bateres nesse vaso e cantares?"
Chuangtse respondeu:
"Estás equivocado. Quando morreu, não pude deixar de me sentir triste e emocionado, mas refleti que no começo ela não teve vida, e não somente vida, mas também não teve forma corpórea; e não somente forma corpórea, mas também não teve espírito. Arrebatada por esse fluxo sempre cambiante das coisas, ela chegou a ser espírito, o espírito se fez corpo, e o corpo teve vida. Agora, ela mudou outra vez e morreu, e assim fazendo se agregou à eterna procissão da primavera, verão, outono e inverno. Por que devo fazer tanto estardalhaço e chorar e lamentar-me por ela, quando seu corpo está ali, quieto, na casa grande? Isso seria não ser capaz de compreender o curso das coisas. Por isso é que deixei de chorar.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

DESPERDÍCIO DE ÁGUA

O fornecimento de água está em situação crítica em alguns dos principais estados do Brasil.
A causa principal disso é o desmatamento. Por dinheiro, ninguém se preocupa com a preservação da Natureza.
A Copasa também não se importa com o desperdício de água. Como me declarou um atendente dessa empresa, se o usuário tem dinheiro para pagar a conta, pode gastar água à vontade.
Muitos síndicos de edifícios mandam lavar as áreas dos condomínios. Muitas faxineiras varrem até o passeio com água.
No dia em que não houver mais água à vontade, a Copasa deixará de ganhar dinheiro com o desperdício.
Será que os diretores da Copasa já pararam para pensar nisso?

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

SONETO — Fagundes Varela

Eu passava na vida errante e vago
Como o nauta perdido em noite escura,
Mas tu te ergueste peregrina e pura
Como o cisne inspirado em manso lago.

Beijava a onda num soluço mago
Das moles plumas a brilhante alvura,
E a voz ungida de eternal doçura
Roçava as nuvens em divino afago.

Vi-te; e nas chamas de fervor profundo
A teus pés afoguei a mocidade
Esquecido de mim, de Deus, do mundo!

Mas ai! cedo fugiste!... da saudade,
Hoje te imploro desse amor tão fundo
Uma ideia, uma queixa, uma saudade!

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A VENDA DO FILHO — Humberto de Campos

"A 10 de novembro de 1840 penetravam a bordo do patacho Saraiva, ancorado a pouca distância do cais, na Bahia, um pretinho de dez anos, e que seria mais tarde o poeta e abolicionista Luiz Gama, o pai deste, homem branco, e jogador, que o tivera de uma preta-mina, e o dono de uma casa de tavolagem, de nome Quintela.
Enquanto o menino se distraía com os marinheiros, os dois entram em entendimento com o capitão, e retomam o bote que os trouxera. Ao vê-los partir, o negrinho corre, chega à escada, e grita:
- Meu pai? meu pai? não me leva?
- Eu volto já, para te levar, - informou o miserável.
E o menino, compreendendo tudo, num ímpeto de dor e de revolta:
- Meu pai, o senhor me vendeu !...
E era verdade. Foi assim, vendido, que Luiz Gama veio para o Rio, e foi, escravo, do Rio para São Paulo."

O que Humberto de Campos não contou foi que Luiz Gama nasceu livre, filho de uma negra livre e de um branco, de família importante na Bahia da época. Seu pai o vendeu como escravo. Luiz Gama foi analfabeto até os 17 anos. Conseguiu sua alforria, estudou e se tornou um grande batalhador contra a escravidão. É um exemplo de ser humano, realmente digno desse nome.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

CANÇÃO DO EXÍLIO — Casimiro de Abreu

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria, não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Quero ver esse céu da minha terra
Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor de rosa que passava
Correndo lá do sul!

Quero dormir à sombra dos coqueiros,
As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel!

Quero sentar-me à beira do riacho
Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes
Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal!

Minha campa será entre as mangueiras
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranquilo
À sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas
Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Lisboa – 1857.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

MAIO - Lima Barreto

Embora estejamos em setembro, aí vai a crônica de Lima Barreto. É um texto anacrônico de qualquer jeito.

Estamos em maio, o mês das flores, o mês sagrado pela poesia. Não é sem emoção que o vejo entrar. Há em minha alma um renovamento; as ambições desabrocham de novo e, de novo, me chegam revoadas de sonhos. Nasci sob o seu signo, a treze, e creio que em sexta-feira; e, por isso, também à emoção que o mês sagrado me traz, se misturam recordações da minha meninice.

Agora mesmo estou a lembrar-me que, em 1888, dias antes da data áurea, meu pai chegou em casa e disse-me: a lei da abolição vai passar no dia de teus anos. E de fato passou; e nós fomos esperar a assinatura no largo do Paço.

Na minha lembrança desses acontecimentos, o edifício do antigo paço, hoje repartição dos Telégrafos, fica muito alto, um sky-scraper; e lá de uma das janelas eu vejo um homem que acena para o povo.

Não me recordo bem se ele falou e não sou capaz de afirmar se era mesmo o grande Patrocínio.

Havia uma imensa multidão ansiosa, com o olhar preso às janelas do velho casarão. Afinal a lei foi assinada e, num segundo, todos aqueles milhares de pessoas o souberam. A princesa veio à janela. Foi uma ovação: palmas, acenos com lenço, vivas...

Fazia sol e o dia estava claro. Jamais, na .minha vida, vi tanta alegria. Era geral, era total; e os dias que se seguiram, dias de folganças e satisfação, deram-me uma visão da vida inteiramente festa e harmonia.

Houve missa campal, no Campo de São Cristóvão. Eu fui também com meu pai; mas pouco me recordo dela, a não ser lembrar-me que, ao assisti-la, me vinha aos olhos a Primeira missa, de Vitor Meireles. Era como se o Brasil tivesse sido descoberto outra vez... Houve o barulho de bandas de músicas, de bombas e girândolas, indispensável aos nossos regozijos; e houve também préstitos cívicos. Anjos despedaçando grilhões, alegrias toscas passaram lentamente pelas ruas. Construíram-se estrados para bailes populares; houve desfile de batalhões escolares e eu me lembro que vi a princesa imperial, na porta da atual Prefeitura, cercada de filhos, assistindo àquela fieira de numerosos soldados desfiar devagar. Devia ser de tarde, ao anoitecer.

Ela me parecia loura, muito loura, maternal, com um olhar doce e apiedado. Nunca mais a vi e o imperador nunca vi, mas me lembro dos seus carros, aqueles enormes carros dourados, puxados por quatro cavalos, com cocheiros montados e um criado à traseira.

Eu tinha então sete anos e o cativeiro não me impressionava. Não lhe imaginava o horror; não conhecia a sua injustiça. Eu me recordo, nunca conheci uma pessoa escrava. Criado no Rio de Janeiro, na cidade, onde já os escravos rareavam, faltava-me o conhecimento direto da vexatória instituição, para lhe sentir bem os aspectos hediondos.

Era bom-saber se a alegria que trouxe à cidade a lei da abolição foi geral pelo país. Havia de ser, porque já tinha entrado na consciência de todos a injustiça originária da escravidão. Quando fui para o colégio, um colégio público, à rua do Resende, a alegria entre a criançada era grande. Nós não sabíamos o alcance da lei, mas a alegria ambiente nos tinha tomado.

A professora, Dona Teresa Pimentel do Amaral, uma senhora muito inteligente, a quem muito deve o meu espírito, creio que nos explicou a significação da coisa; mas com aquele feitio mental de criança, só uma coisa me ficou: livre! livre!

Julgava que podíamos fazer tudo que quiséssemos; que dali em diante não havia mais limitação aos propósitos da nossa fantasia.

Parece que essa convicção era geral na meninada, porquanto um colega meu, depois de um castigo, me disse: "Vou dizer a papai que não quero voltar mais ao colégio. Não somos todos livres?"

Mas como ainda estamos longe de ser livres! Como ainda nos enleamos nas teias dos preceitos, das regras e das leis!

Dos jornais e folhetos distribuídos por aquela ocasião, eu me lembro de um pequeno jornal, publicado pelos tipógrafos da Casa Lombaerts. Estava bem impresso, tinha umas vinhetas elzevirianas, pequenos artigos e sonetos. Desses, dois eram dedicados a José do Patrocínio e o outro à princesa. Eu me lembro, foi a minha primeira emoção poética a leitura dele. Intitulava-se "Princesa e Mãe" e ainda tenho de memória um dos versos:

"Houve um tempo, senhora, há muito já passado..."

São boas essas recordações; elas têm um perfume de saudade e fazem com que sintamos a eternidade do tempo.

Oh! O tempo! O inflexível tempo, que como o Amor, é também irmão da Morte, vai ceifando aspirações, tirando presunções, trazendo desalentos, e só nos deixa na uma essa saudade do passado às vezes composta de coisas fúteis, cujo relembrar, porém, traz sempre prazer.

Quanta ambição ele não mata! Primeiro são os sonhos de posição: com os dias e as horas e, a pouco e pouco, a gente vai descendo de ministro a amanuense; depois são os do Amor - oh! como se desce nesses! Os de saber, de erudição, vão caindo até ficarem reduzidos ao bondoso Larousse. Viagens... Oh! As viagens! Ficamos a fazê-las nos nossos pobres quartos, com auxílio do Baedecker e outros livros complacentes.

Obras, satisfações, glórias, tudo se esvai e se esbate. Pelos trinta anos, a gente que se julgava Shakespeare, está rente que não passa de um "Mal das Vinhas"* qualquer; tenazmente, porém, ficamos a viver, -esperando, esperando... o quê? O imprevisto, o que pode acontecer amanhã ou depois. Esperando os milagres do tempo e olhando o céu vazio de Deus ou Deuses, mas sempre olhando para ele, como o filósofo Guyau.

Esperando, quem sabe se a sorte grande ou um tesouro oculto no quintal?

E maio volta... Há pelo ar blandícias e afagos; as coisas ligeiras têm mais poesia; os pássaros como que cantam melhor; o verde das encostas é mais macio; um forte flux de vida percorre e anima tudo...

O mês augusto e sagrado pela poesia e pela arte, jungido eternamente à marcha da Terra, volta; e os galhos da nossa alma que tinham sido amputados - os sonhos, enchem-se de brotos muito verdes, de um claro e macio verde de pelúcia, reverdecem mais uma vez, para de novo perderem as folhas, secarem, antes mesmo de chegar o tórrido dezembro.

E assim se faz a vida, com desalentos e esperanças, com recordações e saudades, com tolices e coisas sensatas, com baixezas e grandezas, à espera da morte, da doce morte, padroeira dos aflitos e desesperados...

* Segundo Machado de Assis, "Mal das Vinhas" era um curandeiro-mor do Rio de Janeiro em 1889.

domingo, 21 de setembro de 2014

CHUANGTSE CONTEMPLANDO UM CRÂNIO

Chuangtse foi a Ch'u e viu um crânio vazio, com seu contorno seco e vazio. Golpeou-o com um látego e lhe perguntou: " Chegaste a isso porque amavas os prazeres e vivias desordenadamente? Eras um fugitivo que se ocultava da lei? Fizeste alguma maldade que envergonhou teus pais e tua família? Ou padeceste fome até morrer? Ou chegaste à velhice e morreste de uma morte natural?"
Depois de dizer isso, Chuangtse pegou o crânio e dormiu, usando-o como travesseiro.

Lin Yutang, A Importância de Viver, Capítulo 3, 3

sábado, 20 de setembro de 2014

O IDEAL DO CRÍTICO (1865) — Machado de Assis

Exercer a crítica, afigura-se a alguns que é uma fácil tarefa, como a outros parece igualmente fácil a tarefa do legislador; mas, para a representação literária, como para a representação política, é preciso ter alguma coisa mais que um simples desejo de falar à multidão. Infelizmente é a opinião contrária que domina, e a crítica, desamparada pelos esclarecidos, é exercida pelos incompetentes.

São óbvias as consequências de uma tal situação. As musas, privadas de um farol seguro, correm o risco de naufragar nos mares sempre desconhecidos da publicidade. O erro produzirá o erro; amortecidos os nobres estímulos, abatidas as legítimas ambições, só um tribunal será acatado, e esse, se é o mais numeroso, é também o menos decisivo. O poeta oscilará entre as sentenças mal concebidas do crítico, e os arestos caprichosos da opinião; nenhuma luz, nenhum conselho, nada lhe mostrará o caminho que deve seguir, — e a morte próxima será o prêmio definitivo das suas fadigas e das suas lutas.

Chegamos já a estas tristes consequências? Não quero proferir juízo, que seria temerário, mas qualquer pode notar com que largos intervalos aparecem as boas obras, e como são raras as publicações seladas por um talento verdadeiro. Quereis mudar esta situação aflitiva? Estabelecei a crítica, mas a crítica fecunda, e não a estéril, que nos aborrece e nos mata, que não reflete nem discute, que abate por capricho ou levanta por vaidade; estabelecei a crítica pensadora, sincera, perseverante, elevada, — será esse o meio de reerguer os ânimos, promover os estímulos, guiar os estreantes, corrigir os talentos feitos; condenai o ódio, a camaradagem e a indiferença, — essas três chagas da crítica de hoje, — ponde em lugar deles, a sinceridade, a solicitude e a justiça, — é só assim que teremos uma grande literatura.

É claro que a essa crítica, destinada a produzir tamanha reforma, deve-se exigir as condições e as virtudes que faltam à crítica dominante; — e para melhor definir o meu pensamento, eis o que eu exigiria no crítico do futuro.

O crítico atualmente aceito não prima pela ciência literária; creio até que uma das condições para desempenhar tão curioso papel, é despreocupar-se de todas as questões que entendem com o domínio da imaginação. Outra, entretanto, deve ser a marcha do crítico; longe de resumir em duas linhas, — cujas frases já o tipógrafo as tem feitas, — o julgamento de uma obra, cumpre-lhe meditar profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver enfim até que ponto a imaginação e a verdade conferenciaram para aquela produção. Deste modo as conclusões do crítico servem tanto à obra concluída, como à obra em embrião. Crítica é análise, — a crítica que não analisa é a mais cômoda, mas não pode pretender a ser fecunda.

Para realizar tão multiplicadas obrigações, compreendo eu que não basta uma leitura superficial dos autores, nem a simples reprodução das impressões de um momento; pode-se, é verdade, fascinar o público, mediante uma fraseologia que se emprega sempre para louvar ou deprimir; mas no ânimo daqueles para quem uma frase nada vale, desde que não traz uma ideia, — esse meio é impotente, e essa crítica negativa.

Não compreendo o crítico sem consciência. A ciência e a consciência, eis as duas condições principais para exercer a crítica. A crítica útil e verdadeira será aquela que, em vez de modelar as suas sentenças por um interesse, quer seja o interesse do ódio, quer o da adulação ou da simpatia, procure produzir unicamente os juízos da sua consciência. Ela deve ser sincera, sob pena de ser nula. Não lhe é dado defender nem os seus interesses pessoais, nem os alheios, mas somente a sua convicção, e a sua convicção, deve formar-se tão pura e tão alta, que não sofra a ação das circunstâncias externas. Pouco lhe deve importar as simpatias ou antipatias dos outros; um sorriso complacente, se pode ser recebido e retribuído com outro, não deve determinar, como a espada de Breno, o peso da balança; acima de tudo, dos sorrisos e das desatenções, está o dever de dizer a verdade, e em caso de dúvida, antes calá-la, que negá-la.

Com tais princípios, eu compreendo que é difícil viver; mas a crítica não é uma profissão de rosas, e se o é, é-o somente no que respeita à satisfação íntima de dizer a verdade.

Das duas condições indicadas acima decorrem naturalmente outras, tão necessárias como elas, ao exercício da crítica. A coerência é uma dessas condições, e só pode praticá-la o crítico verdadeiramente consciencioso. Com efeito, se o crítico, na manifestação dos seus juízos, deixa-se impressionar por circunstâncias estranhas às questões literárias, há de cair frequentemente na contradição, e os seus juízos de hoje serão a condenação das suas apreciações de ontem. Sem uma coerência perfeita, as suas sentenças perdem todo o vislumbre de autoridade, e abatendo-se à condição de ventoinha, movida ao sopro de todos os interesses e de todos os caprichos, o crítico fica sendo unicamente o oráculo dos seus inconscientes aduladores.

O crítico deve ser independente, — independente em tudo e de tudo, — independente da vaidade dos autores e da vaidade própria. Não deve curar de inviolabilidades literárias, nem de cegas adorações; mas também deve ser independente das sugestões do orgulho, e das imposições do amor próprio. A profissão do crítico deve ser uma luta constante contra todas essas dependências pessoais, que desautoram os seus juízos, sem deixar de perverter a opinião. Para que a crítica seja mestra, é preciso que seja imparcial, — armada contra a insuficiência dos seus amigos, solícita pelo mérito dos seus adversários, — e neste ponto, a melhor lição que eu poderia apresentar aos olhos do crítico, seria aquela expressão de Cícero, quando César mandava levantar as estátuas de Pompeu: — "É levantando as estátuas do teu inimigo que tu consolidas as tuas próprias estátuas".

A tolerância é ainda uma virtude do crítico. A intolerância é cega, e a cegueira é um elemento do erro; o conselho e a moderação podem corrigir e encaminhar as inteligências; mas a intolerância nada produz que tenha as condições de fecundo e duradouro.

É preciso que o crítico seja tolerante, mesmo no terreno das diferenças de escola: se as preferências do crítico são pela escola romântica, cumpre não condenar, só por isso, as obras-primas que a tradição clássica nos legou, nem as obras meditadas que a musa moderna inspira; do mesmo modo devem os clássicos fazer justiça às boas obras dos românticos e dos realistas, tão inteira justiça, como estes devem fazer às boas obras daqueles. Pode haver um homem de bem no corpo de um maometano, pode haver uma verdade na obra de um realista. A minha admiração pelo Cid não me fez obscurecer as belezas de Ruy Blas. A crítica que, para não ter o trabalho de meditar e aprofundar, se limitasse a uma proscrição em massa, seria a crítica da destruição e do aniquilamento.

Será necessário dizer que uma das condições da crítica deve ser a urbanidade? Uma crítica que, para a expressão das suas ideias, só encontra fórmulas ásperas, pode perder as esperanças de influir e dirigir. Para muita gente será esse o meio de provar independência; mas os olhos experimentados farão muito pouco caso de uma independência que precisa sair da sala para mostrar que existe.

Moderação e urbanidade na expressão, eis o melhor meio de convencer; não há outro que seja tão eficaz. Se a delicadeza das maneiras é um dever de todo homem que vive entre homens, com mais razão é um dever do crítico, e o crítico deve ser delicado por excelência. Como a sua obrigação é dizer a verdade, e dizê-la ao que há de mais suscetível neste mundo, que é a vaidade dos poetas, cumpre-lhe, a ele sobretudo, não esquecer nunca esse dever. De outro modo, o crítico passará o limite da discussão literária, para cair no terreno das questões pessoais; mudará o campo das ideias, em campo de palavras, de doestos, de recriminações, — se acaso uma boa dose de sangue frio, da parte do adversário, não tornar impossível esse espetáculo indecente.

Tais são as condições, as virtudes e os deveres dos que se destinam à análise literária; se a tudo isto juntarmos uma última virtude, a virtude da perseverança, teremos completado o ideal do crítico.

Saber a matéria em que fala, procurar o espírito de um livro, descarná-lo, aprofundá-lo, até encontrar-lhe a alma, indagar constantemente as leis do belo, tudo isso com a mão na consciência e a convicção nos lábios, adotar uma regra definida, a fim de não cair na contradição, ser franco sem aspereza, independente sem injustiça, tarefa nobre é essa que mais de um talento podia desempenhar, se se quisesse aplicar exclusivamente a ela. No meu entender é mesmo uma obrigação de todo aquele que se sentir com força de tentar a grande obra da análise conscienciosa, solícita e verdadeira.

Os resultados seriam imediatos e fecundos. As obras que passassem do cérebro do poeta para a consciência do crítico, em vez de serem tratadas conforme o seu bom ou mau humor, seriam sujeitas a uma análise severa, mas útil; o conselho substituiria a intolerância, a fórmula urbana entraria no lugar da expressão rústica, — a imparcialidade daria leis, no lugar do capricho, da indiferença e da superficialidade.

Isto pelo que respeita aos poetas. Quanto à crítica dominante, como não se poderia sustentar por si, — ou procuraria entrar na estrada dos deveres difíceis, mas nobres, — ou ficaria reduzida a conquistar de si própria, os aplausos que lhe negassem as inteligências esclarecidas.

Se esta reforma, que eu sonho, sem esperanças de uma realização próxima, viesse mudar a situação atual das coisas, que talentos novos! que novos escritos! que estímulos! que ambições! A arte tomaria novos aspectos aos olhos dos estreantes; as leis poéticas, — tão confundidas hoje, e tão caprichosas, — seriam as únicas pelas quais se aferisse o merecimento das produções, — e a literatura alimentada ainda hoje por algum talento corajoso e bem encaminhado, — veria nascer para ela um dia de florescimento e prosperidade. Tudo isso depende da crítica. Que ela apareça, convencida e resoluta, — e a sua obra será a melhor obra dos nossos dias.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

BENEDICITE! — Olavo Bilac

Bendito o que, na terra, o fogo fez, e o teto;
E o que uniu a charrua ao boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que, do chão abjeto,
Fez, aos beijos do sol, o ouro brotar do trigo;

E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu; e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;

E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano;
E o que inventou o canto; e o que criou a lira;
E o que domou o raio; e o que alçou o aeroplano...

Mas bendito, entre os mais, o que, no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

CANTIGA DE AMIGO — João Zorro

Bailemos agora, por Deus, ai velidas,
so aquestas avelaneiras frolidas,
e quem for velida, como nós velidas,
se amigo amar,
so aquestas avelaneiras frolidas
verrá bailar.

Bailemos agora, por Deus, ai loadas,
so aquestas avelaneiras granadas,
e quem for loada, como nós loadas,
se amigo amar,
so aquestas avelaneiras granadas
verrá bailar.

Velida - bela, formosa
So - sob, por debaixo de
Verrá - virá
Loado - louvado
Granada - coberta de frutos

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O VIÚVO — Artur Azevedo

Na véspera de partir para a Europa, o doutor Claudino, sem prever o fúnebre espetáculo de que ia ser testemunha, foi despedir-se do seu velho camarada Tertuliano.
Ao aproximar-se da casa, ouviu berreiro de crianças e mulheres, e a voz de Tertuliano, que dominava de vez em quando o alarido geral, soltando, num tom estrídulo e angustioso, esta palavra: “Xandoca.”
O doutor Claudino apressou o passo, e entrou muito aflito em casa do amigo.
Havia, efetivamente, motivo para toda aquela manifestação de desespero. Tertuliano acabava de enviuvar. Havia meia hora que dona Xandoca, vítima de uma febre puerperal, fechara os olhos para nunca mais abri-los.
O corpo, vestido de seda preta, as mãos cruzadas sobre o peito, estava colocado num canapé, na sala de visitas. À cabeceira, sobre uma pequena mesa coberta por uma toalha de rendas, duas velas de cera substituíam, aos dois lados de um crucifixo, o bom e o mau ladrão.
Tertuliano, abraçado ao cadáver, soluçava convulsivamente, e todo o seu corpo tremia como tocado por uma pilha elétrica. Os filhos, quatro crianças, a mais velha das quais teria oito anos, rodeavam-no aos gritos.
Na sala havia um contínuo fluxo e refluxo de gente que entrava e saía, pessoas da vizinhança, chorando muito, e indivíduos que, passando na rua, ouviam gritar e entravam por mera curiosidade.
O doutor Claudino estava impressionadíssimo. Caíra de sopetão no meio daquele espetáculo comovedor, e contemplava atônito o cadáver da pobre senhora que, havia quatro dias, encontrara na rua da Carioca, muito alegre, levando um filho pela mão e outro no ventre, arrastando vaidosa a sua maternidade feliz.
Tertuliano, mal que o viu, atirou-se-lhe nos braços, inundando-lhe de lágrimas a gola do casaco; o doutor Claudino estava atordoado, cego, com os vidros do pince-nez embaciados pelo pranto, que tardou, mas veio discreta, reservadamente, como um pranto que não era da família.
— Isto foi uma surpresa... uma dolorosa surpresa para mim, conseguiu dizer com a voz embargada pela comoção. Parto amanhã para a Europa, no Niger... vinha despedir-me de ti... e dela... de dona Xandoca e... vejo que... que... que...
E o doutor Claudino fez uma careta medonha para não soluçar.
— Dispõe de mim, meu velho; estou às tuas ordens, bem sabes.
— Obrigado, disse Tertuliano numa dessas intermitências que se notam nos maiores desabafos; o Rodrigo, aquele meu primo empregado no foro, já foi tratar do enterro, que é amanhã às dez horas.
Fazendo grandes esforços para reprimir a explosão das lágrimas, o viúvo contou ao doutor Claudino todos os incidentes da rápida moléstia e da morte de dona Xandoca.
— Uma coisa inexplicável! Nunca a pobre criatura teve um parto tão feliz... A parteira não esperou cinco minutos... Uma criança gorda, bonita... Está lá em cima, no sótão... hás de vê-la. De repente, uma pontinha de febre que foi aumentando, aumentando... até vir o delírio... Mandei chamar o Médico... Quando o Médico chegou já ela agoniza... a... va!...
E Tertuliano, prorrompendo em soluços, abraçou-se de novo ao doutor Claudino.
No dia seguinte, a cena foi dolorosíssima. Antes de se fechar o caixão, Tertuliano quis que os filhos beijassem o cadáver, medonhamente intumescido e decomposto. Ninguém reconheceria dona Xandoca, tão simpática, tão graciosa, naquele montão informe de carne pútrida.
Fecharam o caixão, mas Tertuliano agarrou-se a ele e não o queria deixar sair, gritando: — Não consinto! não quero que a levem daqui! — Foi preciso arrancá-lo à força e empurrá-lo para longe. Ele caiu e começou a escabujar no chão, soltando grandes gritos nervosos. Três senhoras caíram também com espetaculosos. ataques. As crianças berravam. Choravam todos.
De volta do enterro, o Doutor Claudino, conquanto muito atarefado com a viagem, não quis deixar de fazer uma última visita a Tertuliano.
Encontrou-o num estado lastimoso, sentado numa cadeira da sala de jantar, sem dar acordo de si, rodeado pelos filhos, o olhar fixo no mísero recém nascido, que a um canto da casa mamava sofregamente numa preta gorda.
— Tertuliano, adeus. Daqui a meia hora devo estar embarcado. Crê que, se pudesse, adiava a viagem para fazer-te companhia... Adeus!
O viúvo lançou-lhe um olhar vago, um olhar que nada exprimia; sacudiu molemente a mão, e murmurou:
— Adeus!

Às sete horas da noite o doutor Claudino, sentado na coberta do Niger, contemplando as ondas esplendidamente iluminadas pelo luar, pensava naquele olhar vago de Tertuliano, naquele adeus terrível, e pedia aos céus que o seu velho camarada não houvesse enlouquecido.
Meses depois, a exposição de Paris atordoava-o; mas de vez em quando, lá mesmo, na Galeria das Máquinas, no Palácio das Artes, ou na Torre Eiffel, voltava-lhe ao espírito a lembrança daquela cena desoladora do viúvo rodeado pelos orfãozinhos, e repercutia-lhe dentro d’alma o som daquele adeus pungente e indefinível.
Interessava-se muito por Tertuliano. Escreveu-lhe um dia, mas não obteve resposta. Pobre rapaz! viveria ainda? a sua razão teria resistido àquele embate violento?
Depois de um ano e quatro meses de ausência, o doutor Claudino voltou da Europa, e sua primeira visita foi para Tertuliano, que morava ainda na mesma casa.
Mandaram-no entrar para a sala de jantar. Tertuliano estava sentado numa cadeira, sem dar acordo de si, rodeado pelos filhos, o olhar fixo no mais pequenito, que estava muito esperto, brincando no colo da preta gorda.
— Tertuliano? balbuciou o doutor Claudino.
O viúvo lançou-lhe um olhar vago, um olhar que nada exprimia; sacudiu molemente a mão, e murmurou:
— Adeus.
Depois, dir-se-ia que se fizera subitamente a luz no seu espírito embrutecido. Ele ergueu-se de um salto, gritando:
— Claudino -, e atirou-se nos braços do velho camarada, exclamando entre lágrimas:
— Ah! meu amigo! perdi minha mulher!...
— Sim, já sei, mas já tinhas tempo de estar mais consolado... Que diabo! Sê homem! Já lá se vão quatorze meses!...
— Como quatorze meses? seis dias...
— Ora essa! pois não te lembras que acompanhei o enterro de dona Xandoca?
— Ah! tu falas da Xandoca... mas há três meses casei-me com outra... a filha do Major Seabra, há seis dias estou viú... ú... vo!
E Tertuliano, prorrompendo em soluços, abraçou de novo ao doutor Claudino.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

MADRIGAL 01 — Silva Alvarenga

Suave fonte pura,
Que desces murmurando sobre a areia,
Eu sei que a linda Glaura se recreia
Vendo em ti de seus olhos a ternura;
Ela já te procura;
Ah! como vem formosa e sem desgosto !
Não lhe pintes o rosto:
Pinta-lhe, ó clara fonte, por piedade
Meu terno amor, minha infeliz saudade.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

SOLITÁRIO — Augusto dos Anjos

Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
— Velho caixão a carregar destroços —

Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!

domingo, 14 de setembro de 2014

FREECELL PRO

Sugiro a todos que gostam de FreeCell que experimentem FreeCell Pro, que ainda pode ser baixada no site abaixo:
http://www.solitairelaboratory.com/fcpro.html

Michael Keller, responsável pelo site, considera que FcPro se encontra em obsolescência e talvez não disponibilize o download por muito mais tempo.
É uma versão melhorada em relação à que acompanha o Windows. Caso a janela e as cartas não apareçam corretamente, basta puxar o canto inferior direito e abrir a janela; depois, no menu Window, Card Size, é só definir os números para 71 por 96.
É possível desfazer as jogadas quantas vezes se quiser. F8 e F9 informam se a partida é vencível ou não. F8 pode demorar muito a dar uma resposta.
De qualquer forma, é a melhor versão grátis de FreeCell, na opinião deste escriba.

sábado, 13 de setembro de 2014

NÓS, POEMA 27 — Guilherme de Almeida

Hoje voltas-me o rosto, se a teu lado
passo; e eu baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto
pudéssemos varrer nosso passado.

Passo, esquecido de te olhar – coitado!
Vais – coitada! – esquecida de que existo:
como se nunca tu me houvesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amado!

Se, às vezes, sem querer, nos entrevemos;
se, quando passo, teu olhar me alcança,
se os meus olhos te alcançam, quando vais,

– ah! só Deus sabe e só nós dois sabemos! –
volta-nos sempre a pálida lembrança
daqueles tempos que não voltam mais!

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

VISITA À CASA PATERNA — Luís Guimarães Jr

Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo:

Entrei. Um Gênio carinhoso e amigo,
O fantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mãos, – olhou-me, grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha mãe... O pranto

Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

SAMBA DO CRIOULO DOIDO — Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta)

Foi em Diamantina
Onde nasceu JK
Que a Princesa Leopoldina
Arresolveu se casá
Mas Chica da Silva
Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa
A se casar com Tiradentes

Lá iá lá iá lá ia
O bode que deu vou te contar
Lá iá lá iá lá iá
O bode que deu vou te contar

Joaquim José
Que também é
Da Silva Xavier
Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II
Das estradas de Minas
Seguiu pra São Paulo
E falou com Anchieta
O vigário dos índios
Aliou-se a Dom Pedro
E acabou com a falseta

Da união deles dois
Ficou resolvida a questão
E foi proclamada a escravidão
E foi proclamada a escravidão
Assim se conta essa história
Que é dos dois a maior glória
Da. Leopoldina virou trem
E D. Pedro é uma estação também

O, ô , ô, ô, ô, ô
O trem tá atrasado ou já passou

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

ÚLTIMO FANTASMA — Castro Alves

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada...
Sobre as névoas te libras vaporoso...
Baixas do céu num vôo harmonioso!...
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso!...
Onde nos vimos nós?... És doutra esfera?
És o ser que eu busquei do sul ao norte...
Por quem meu peito em sonhos desespera?...
Quem és tu? Quem és tu? — És minha sorte!
És talvez o ideal que est’alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!...

terça-feira, 9 de setembro de 2014

LEMBRANÇA DE MORRER — Álvares de Azevedo

No more! O never more!
Shelley

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto o poento caminheiro...
Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro...

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia,
Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade — e dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
E de ti, ó minha mãe! pobre coitada
Que por minhas tristezas te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos, — bem poucos! e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoidecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei!... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Ó tu, que à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se vivi... foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu! eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz! e escrevam nela:
— Foi poeta, sonhou e amou na vida. —

Sombras do vale, noites da montanha,
Que minh’alma cantou e amava tanto,
Protejei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe um canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando, à meia-noite, o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri as ramas...
Deixai a lua pratear-me a lousa!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

BÁRBARA BELA — Alvarenga Peixoto

Bárbara bela,
Do Norte estrela,
Que o meu destino
Sabes guiar,
De ti ausente,
Triste somente
As horas passo
A suspirar.
Isto é castigo
que Amor me dá.
Por entre as penhas
De incultas brenhas
Cansa-me a vista
De te buscar;
Porém não vejo
Mais que o desejo,
Sem esperança
De te encontrar.
Isto é castigo
que Amor me dá.
Eu bem queria
A noite e o dia
Sempre contigo
Poder passar;
Mas orgulhosa
Sorte invejosa
Desta fortuna
Me quer privar.
Isto é castigo
que Amor me dá.
Tu, entre os braços,
Ternos abraços
Da filha amada
Podes gozar.
Priva-me a estrela
De ti e dela,
Busca dois modos
De me matar.
Isto é castigo
que Amor me dá.

domingo, 7 de setembro de 2014

SONETO 39 — Cláudio Manoel da Costa

Breves horas, Amor, há, que eu gozava
A glória, que minha alma apetecia;
E sem desconfiar da aleivosia,
Teu lisonjeiro obséquio acreditava.
Eu só à minha dita me igualava;
Pois assim avultava, assim crescia,
Que nas cenas, que então me oferecia,
O maior gosto, o maior bem lograva;
Fugiu, faltou-me o bem: já descomposta
Da vaidade a brilhante arquitetura,
Vê-se a ruína ao desengano exposta:
Que ligeira acabou, que mal segura!
Mas que venho a estranhar, se estava posta
Minha esperança em mãos da formosura!

sábado, 6 de setembro de 2014

LOUIS PASTEUR

Vivemos num tempo de assassinos, onde as coisas são mais importantes que a vida humana.
Mais que nunca é importante celebrar o ser humano generoso e criativo que foi Pasteur. Um homem sem mesquinharia, dedicado ao trabalho de salvar vidas e profissões.
Einstein é super-valorizado como gênio, mas sua obra não se compara, em termos de aplicação favorável à vida das pessoas, à obra de Pasteur.
A obra de Pasteur continua.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

ESTEREÓTIPOS


Chris Rock e Jimmy Fallon comentaram, num programa de tevê, que o Brasil é conhecido por suas bundas. Afinal, por que outro motivo se vai ao Brasil?
Chris e Jimmy merecem um boicote dos espectadores brasileiros, pra deixar de ser ignorantes da realidade do país continente que é o Brasil. Ignorantes e preconceituosos.
Por outro lado, os USA são famosos por seu espírito pacifista. O presidente Obama não ganhou o prêmio Nobel da paz?
A resposta brasileira é: faça o Amor, não faça a guerra.
Uma hora a ficha tem que cair. Até para os poderosos.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

POR OUTRO LADO...

O Congresso liberou o consumo de remédios à base de anfetamina.
Paulo Maluf participa de campanha anti-corrupção.

Como disse o Guru do Meyer:
Sobre o Congresso: "Deve haver, escondida nos subterrâneos do Congresso, uma escola de malandragens, golpes, perfídias e corrupção. Não é possível que tantos congressistas já nasçam com tanto nourrau."
Sobre o Maluf: "Pois eu, num pôquer com Maluf e Brizola, só entrava com baralho meu."

terça-feira, 2 de setembro de 2014

À BEIRA-MAR — Rabindranath Tagore

À beira-mar de mundos infinitos, se encontram as crianças.

O céu infinito está imóvel sobre suas cabeças e a água inquieta é tumultuosa. À beira-mar de mundos infinitos, as crianças se encontram com gritos e danças.

Elas constroem suas casas com areia, e brincam com conchas vazias. Com folhas murchas tecem seus barcos e sorridentes os flutuam no vasto abismo. Crianças brincam à beira-mar de mundos.

Elas não sabem nadar, elas não sabem lançar redes. Pescadores de pérola mergulham em busca de pérolas, os comerciantes velejam nos seus navios, enquanto as crianças juntam seixos e os espalham novamente. Elas não procuram tesouros escondidos, elas não sabem lançar redes.

O mar sorrindo se levanta em ondas, e pálido brilha o sorriso da praia. Ondas ameaçadoras e mortais cantam baladas sem sentido para as crianças, como uma mãe enquanto balança o berço do seu bebê. O mar brinca com as crianças, e pálido brilha o sorriso da praia.

À beira-mar de mundos infinitos, se encontram as crianças. A tempestade vaga no céu sem caminhos, são destruídos navios na água sem rastro, a morte está nos países distantes, e as crianças brincam. À beira-mar de mundos infinitos é a grande reunião das crianças.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

DESESPERO DA PIEDADE — Vinicius de Moraes

Meu senhor, tende piedade dos que andam de bonde
E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...
Mas tende piedade também dos que andam de automóvel
Quando enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.

Tende piedade das pequenas famílias suburbanas
E em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos
Mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam
E sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina.

Tende muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta
Que só tem de seu as costeletas e a namorada pequenina
Mas tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte
E que se encaminha lutando, remando, nadando para a morte.

Tende imensa piedade dos músicos dos cafés e casas de chá
Que são virtuoses da própria tristeza e solidão
Mas tende piedade também dos que buscam o silêncio
E súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.

Não esqueçais também em vossa piedade os pobres que enriqueceram
E para quem o suicídio ainda é a mais doce solução
Mas tende realmente piedade dos ricos que empobreceram
E tornam-se heróicos e à santa pobreza dão um ar de grandeza.

Tende infinita piedade dos vendedores de passarinhos
Que em suas alminhas claras deixam a lágrima e a incompreensão
E tende piedade também, menor embora, dos vendedores de balcão
Que amam as freguesas e saem de noite, quem sabe aonde vão...

Tende piedade dos barbeiros em geral, e dos cabeleireiros
Que se efeminam por profissão mas que são humildes nas suas carícias
Mas tende mais piedade ainda dos que cortam o cabelo:
Que espera, que angústia, que indigno, meu Deus!

Tende piedade dos sapateiros e caixeiros de sapataria
Que lembram madalenas arrependidas pedindo piedade pelos sapatos
Mas lembrai-vos também dos que se calçam de novo
Nada pior que um sapato apertado, Senhor Deus.

Tende piedade dos homens úteis como os dentistas
Que sofrem de utilidade e vivem para fazer sofrer
Mas tende mais piedade dos veterinários e práticos de farmácia
Que muito eles gostariam de ser médicos, Senhor.

Tende piedade dos homens públicos e em particular dos políticos
Pela sua fala fácil, olhar brilhante e segurança dos gestos de mão
Mas tende mais piedade ainda dos seus criados, próximos e parentes
Fazei, Senhor, com que deles não saiam políticos também.

E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tende piedade das mulheres
Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres
Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres
Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!

Tende piedade da moça feia que serve na vida
De casa, comida e roupa lavada da moça bonita
Mas tende mais piedade ainda da moça bonita
Que o homem molesta - que o homem não presta, não presta, meu Deus!

Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais
Que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação
E sonham exaltadas nos quartos humildes
Os olhos perdidos e o seio na mão.

Tende piedade da mulher no primeiro coito
Onde se cria a primeira alegria da Criação
E onde se consuma a tragédia dos anjos
E onde a morte encontra a vida em desintegração.

Tende piedade da mulher no instante do parto
Onde ela é como a água explodindo em convulsão
Onde ela é como a terra vomitando cólera
Onde ela é como a lua parindo desilusão.

Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas
Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade
Mas tende piedade também das mulheres casadas
Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.

Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas
Que são desgraçadas e são exploradas e são infecundas
Mas que vendem barato muito instante de esquecimento
E em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.

Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas
De corpo hermético e coração patético
Que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçadas
Que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.

Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que ninguém mais precisa tanto de alegria e serenidade.

Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras
Que são crianças e são trágicas e são belas
Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
E que têm a única emoção da vida nelas.

Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse
Ter piedade de si mesma e de sua louca mocidade
E outra, à simples emoção do amor piedoso
Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.

Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
A vida fere mais fundo e mais fecundo
E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E a loucura reside nesse mundo.

Tende piedade, Senhor, das santas mulheres
Dos meninos velhos, dos homens humilhados - sede enfim
Piedoso com todos, que tudo merece piedade
E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!

Oxford, 1938