Eu sou por Natureza feito para meu próprio bem; não para meu próprio mal.

Dos Ensinamentos Áureos de Epicteto.


quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

IDEALISMO — Augusto dos Anjos

FORMAS POÉTICAS 38 — SONETO [2]
O soneto petrarquesco — cuja forma Petrarca definiu na Itália — foi modificado em França por Clément Marot, que introduziu nos catorze versos a única disposição dos tercetos proibida anteriormente: a criação de um dístico no meio do poema. O soneto seguinte, de autoria de Augusto dos Anjos, segue a forma do soneto francês 'marotiano', com esquema rímico abba abba ccd eed.

IDEALISMO

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E é por isso que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

COM CARÍCIAS BRUTAIS E COM CARÍCIAS MANSAS, CUIDO QUE TU ME VENS — Gilka Machado

FORMAS POÉTICAS 38 — SONETO [1]
A palavra soneto vem do italiano 'sonetto', derivada por sua vez de 'son', que era um tipo de canção ou poema dos trovadores provençais.
O soneto é um poema composto por catorze versos decassílabos, agrupados em duas quadras — com rimas alternadas ou cruzadas — e dois tercetos com rima variada.
Sua invenção é atribuída a Giacomo (ou Jacopo) da Lentini, poeta siciliano que adaptava as poesias dos trovadores ao italiano.
O soneto seguinte — da poetisa Gilka Machado — segue o esquema rímico abab abab cdc ede.

AO VENTO

Na plena solidão de um amplo descampado,
penso em ti e que tu pensas em mim suponho;
tenho toda a feição de um arbusto isolado,
abstrato o olhar, entregue à delícia de um sonho.

O vento, sob o céu de brumas carregado,
passa, ora langoroso, ora forte, medonho!
e tanto penso em ti, ó meu ausente amado,
que te sinto no vento e a ele, feliz, me exponho!

Com carícias brutais e com carícias mansas,
cuido que tu me vens, julgo-me apenas tua,
— sou árvore a oscilar, meus cabelos são franças...

E não podes saber do meu gozo violento
quando me fico, assim, neste ermo, toda nua,
completamente exposta à volúpia do vento!

Gilka Machado, in Estados de Alma.

Franças = Conjunto das ramificações menores da copa das árvores.

sábado, 17 de janeiro de 2015

PENSANDO-VOS ESTOU, FILHA; VOSSA MÃE M'ESTÁ LEMBRANDO — Bernardim Ribeiro

FORMAS POÉTICAS 37 - SOLAU
Seria um tipo originário da poesia dos trovadores, mas em nenhum lugar sua estrutura se define.
Parece que o padrão vem mesmo em Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro. Mas ainda assim é, como ele declara, apenas um "cantar a maneira de solau, que era o que, nas cousas tristes, se acostumava". Nem leva o nome de solau.

ROMANCE

"Pensando-vos estou, filha;
vossa mãe m'está lembrando;
enchem-se-me os olhos d'água,
nela vos estou lavando.

"Nascestes, filha, entre mágoa;
para bem inda vos seja!
Pois em vosso nascimento
Fortuna vos houve inveja.

"Morto era o contentamento,
nenhuma alegria ouvistes:
vossa mãe era finada,
nós outros éramos tristes.

"Nada em dor, em dor criada,
não sei onde isto há de ir ter;
vejo-vos, filha, formosa
com olhos verdes crescer.

"Não era esta graça vossa
para nascer em desterro.
Mal haja a desaventura
que pôs mais nisto que o erro!

"Tinha aqui sua sepultura
vossa mãe, e mágoa a nós;
não éreis vós, filha, não,
para morrerem por vós.

"Não ouvem fados razão,
nem se consentem rogar;
de vosso pai hei mor dó,
que de si se há de queixar.

"Eu vos ouvi a vós só,
primeiro que outrem ninguém;
não fôreis vós, se eu não fora;
não sei se fiz mal, se bem.

"Mas não pode ser, senhora,
para mal nenhum nascerdes,
com esse riso gracioso
que tendes sob olhos verdes.

"Conforto, mas duvidoso,
me é este que tomo assi;
Deus vos dê melhor ventura
do que tivestes té 'qui.

"A Dita, e a Formosura,
dizem patranhas antigas,
que pelejaram um dia,
sendo dantes muito amigas.

"Muitos hão que é fantasia;
eu, que vi tempos e anos,
nenhuma coisa duvido
como ela é azo de danos.

"Mas nenhum mal não é crido;
o bem só é esperado:
e na crença, e na esperança,
em ambas há 'i cuidado,
em ambas há 'i mudança".

domingo, 4 de janeiro de 2015

SEMPRE ME QUEIXAREI DESTA CRUEZA QUE AMOR USOU COMIGO — Camões

FORMAS POÉTICAS 36 — SEXTINA
A sextina é constituída por seis sextilhas, arrematadas por um terceto. As mesmas palavras repetidas formam as rimas. O final do último verso da sextilha anterior é repetido no primeiro verso da sextilha seguinte. Esse exemplo vem de Camões.

SEXTINA IV
Sempre me queixarei desta crueza
Que Amor usou comigo quando o tempo,
Apesar de meu duro e triste fado,
A meus males queria dar remédio,
Em apartar de mim aquela vista,
Por quem me contentava a triste vida.

Levara- me, oxalá, trás ela a vida,
Para que não sentira esta crueza
De me ver apartado de tal vista!
E praza a Deus não veja o próprio tempo
Em mim, sem esperança de remédio,
A desesperação d'um triste fado!

Porém já acabe o triste e duro fado!
Acabe o tempo já tão triste vida,
Que em sua morte só tem seu remédio.
O deixar-me viver é mór crueza,
Pois desespero já de em algum tempo
Tornar a ver aquela doce vista.

Duro Amor! se pagava só tal vista
Todo o mal que por ti me fez meu fado,
Porque quiseste que a levasse o tempo?
E se o assim quiseste, porque a vida
Me deixas para ver tanta crueza,
Quando em não vê-la só vejo o remédio?

Tu só de minha dor eras remédio,
Suave, deleitosa e bela vista.
Sem ti, que posso eu ver senão crueza?
Sem ti, qual bem me pôde dar o fado,
Se não é consentir que acabe a vida?
Mas ele d'ela me dilata o tempo.

Asas para voar vejo no tempo,
Que com voar a muitos foi remédio;
E só não voa para a minha vida.
Para que a quero eu sem tua vista?
Para que quer também o triste fado
Que não acabe o tempo tal crueza?

Não poderão fazer crueza, ou tempo,
Força de fado, ou falta de remédio,
Que essa vista me esqueça em toda a vida.

sábado, 3 de janeiro de 2015

MINHA ALMA ARREMESSEI RUMO AO ETERNO — Omar Khâyyâm

FORMAS POÉTICAS 35 — RUBAI
O rubai, forma poética famosa por causa de Omar Khâyyâm, cujo nome significa Omar, o Fazedor de Tendas. Foi cientista e poeta. O rubai é uma quadra, tendo a mesma rima no primeiro, no segundo e no quarto versos; e o terceiro, solto. O exemplo vem da tradução de Geir Campos.

Minha alma arremessei rumo ao Eterno,
para ler o Destino em seu caderno,
mas dentro em pouco a alma tornou a mim
e disse: "Eu mesma sou o Céu e o Inferno!"

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

LUZ DO SOL, QUANTO ÉS FORMOSA — Silva Alvarenga

FORMAS POÉTICAS 34 — RONDÓ [4]
Para encerrar, o rondó arcádico tem uma quadra-refrão entre duas quadras ou uma oitava. Os versos são redondilhas maiores, com rimas encadeadas. O poeta que melhor realizou esse tipo de poema foi Silva Alvarenga.

A LUZ DO SOL

Luz do sol, quanto és formosa,
Quem te goza não conhece;
Mas se desce a noite fria,
Principia a suspirar.

Quando puro se derrama
Vivo ardor no ameno prado,
Pelas brenhas foge o gado
Verde rama a procurar.
E se o astro luminoso
Deixa tudo em sombra fusca
Triste então o abrigo busca
Vagaroso a ruminar.

Luz do sol, quanto és formosa,
Quem te goza não conhece;
Mas se desce a noite fria,
Principia a suspirar.

Lavrador, que aflito e velho,
Sobre o campo endurecido,
Ver deseja submergido
O vermelho sol no mar.
E se o úmido negrume
Tolda os céus, e os vales banha,
Fita os olhos na montanha,
Onde o lume vê raiar.

Luz do sol, quanto és formosa,
Quem te goza não conhece;
Mas se desce a noite fria,
Principia a suspirar.

Pela tarde mais ardente
O pastor estima as grutas,
Onde penhas nunca enxutas
Vê contente gotejar.
E se as trevas no horizonte
Desenrolam negro manto,
Com saudoso e flébil* canto
Faz o monte ressonar.

Luz do sol, quanto és formosa,
Quem te goza não conhece;
Mas se desce a noite fria,
Principia a suspirar.

Assim Glaura, que inflamada
Perseguiu aves ligeiras,
Quer à sombra das mangueiras
Descansada respirar.
Entre risos, entre amores,
Se lhe falta o dia, chora,
E vem cedo a ver a aurora
Sobre as flores orvalhar.

Luz do sol, quanto és formosa,
Quem te goza não conhece;
Mas se desce a noite fria,
Principia a suspirar.

Silva Alvarenga, in Glaura, Poemas Eróticos, Rondós.

* flébil = choroso, lacrimoso.